Eu escuto falar da Lucia desde que era criança. Ela sempre foi a cabeleireira da minha avó e ainda hoje é quem faz o cabelo da minha mãe. Quando minha mãe sugeriu que ela fosse uma das minhas biografadas, eu já sabia que daria uma boa história, pelo pouco que conhecia da vida dela. Mas receei empacar numa negativa, afinal, os japoneses e seus descendentes costumam ser muito reservados. O receio revelou-se infundado; para minha surpresa, convidada, ela aceitou logo de cara.
Por telefone, pedi que ela reunisse fotos antigas, imagens sempre ajudam na hora de refrescar a memória sobre fatos que muitas vezes estão soterrados debaixo dos quilos e quilos da poeira do esquecimento. Lucia me disse que quando estivesse preparada entraria em contato novamente.
Passou-se um mes, depois outro e nada de ela se manifestar… Pensei que houvesse mudado de idéia e desistido de contar sua vida, de se abrir para um estranho que não só queria ouvir, mas tornar publica sua história. Eu já tinha esquecido dela quando um recado chegou pela minha mãe, dizendo que se ainda houvesse interesse em fazer a entrevista, que eu aparecesse em sua casa/salão, dentro de uma semana, precisamente às duas e meia da tarde. Marquei o compromisso no calendário do computador e no dia e hora combinados, lá estava eu, tocando a campainha da casa da minha entrevistada, uma capricorniana sistemática, mas nem por isso menos simpática.
Na casinha simples mas muito bem cuidada, ao lado da antiga estação de trem da EFCB, ela me recebeu na cozinha, em meio aos latidos da Milie, da Hana e da Tibico, suas fiéis cadelinhas. Lucia nunca se casou e, juntamente com Fátima, sua irmã, essas 5 mulheres formam uma república tipicamente feminina. Segundo a Lucia, machos fazem xixi em qualquer lugar e não são tão dóceis quanto as fêmeas…
Lucia desligou a TV, que estava sintonizada na NHK, a emissora pública japonesa, e começamos a conversa. No total fizemos 2 entrevistas e dei inúmeros telefonemas, sempre depois das 9h, um horário seguro, pois não há mais clientes e ela já assistiu seu capítulo da novela japonesa. As partes mais interessantes desse papo que eu tive com ela, costurei o melhor que pude e é o que você vai ler abaixo.
“Agora vamos, levando a família, para a América do Sul”(cartaz da campanha japonesa de incentivo a emigração de 1925
O ano é 1927 e Kenichi Matsumura está totalmente desanimado com a situação econômica em seu país. A sociedade que ele montara com familiares, exportando porcelana para a Rússia, havia quebrado por causa da Iª Guerra Mundial e ele estava endividado até o pescoço. Para pagar as dívidas, ele havia começado um comércio de peixes, mas as perspectivas não eram nada animadoras. Incentivado pela sedutora propaganda oficial e por cartas que recebia de amigos que haviam partido antes dele, Kenichi resolve reunir sua família e partir para o Brasil como imigrante. Já sabe que a viagem de navio não será fácil, terão que dormir sobre duros e desconfortáveis tatamis, espalhados nos alojamentos coletivos, sem nenhuma privacidade. Serão 50 longos dias no mar, antes que cheguem ao distante porto de Santos, do outro lado do mundo.
A partida do porto de Kobe é emocionante, uma festa para os olhos, centenas de tiras de papel branco unem o navio ao cais, simbólicos cordões umbilicais que se rompem para aqueles que estão deixando a terra mãe. Nas bagagens, além dos pertences e muito chá, cada um leva também sua cota particular de sonhos. A maioria absoluta dos que partem, quer fazer dinheiro e um dia voltar para o Japão.)
Em fevereiro de 1928, o Montevideo Maru atraca no porto de Santos, trazendo Kenichi e sua família. Dali, são conduzidos para Cafelândia, onde seus sonhos serão logo redimensionados pela dura realidade da nova vida de operários rurais do ramo cafeeiro. Mal falando o portugues, tiveram apenas algumas aulas no navio, os japoneses são enganados, zombados e explorados. Não era bem essa a vida que Kenichi sonhava para si e para os seus quando partiu do Japão. Mas ele não desanimou e ainda mandou chamar mais uma parte da família no Japão, sempre com o pensamento de que a união faz a força. Assim, em 1934, desembarcam em Santos, Sozaemon, irmão de Kenichi, e sua família.
Depois de penar alguns anos como operário, Kenichi, que nessas alturas já havia aprendido a se comunicar um pouco melhor em portugues, resolve partir para a região sul do estado de São Paulo, agora como corretor, vendendo terras. Primeiro partem Kenichi e o mais inquieto de seus filhos, Tokuo, e em seguida toda o clã Matsumura vai juntar-se a eles. Com o dinheiro ganho na corretagem, compram um pedaço de terra e instalam-se em Tapiraí, subdistrito de Piedade, uma região cuja população era 90% de origem nipônica.
Numa clareira aberta na floresta, constroem uma casa de pau-a-pique e sapê e na base do machado derrubam a mata nativa, com a intenção de abrir terreno para o plantio de hortaliças. Com a madeira tombada, produzem e vendem carvão. Aos poucos, esse grupo de japoneses transforma a paisagem, o que era floresta se torna uma lavoura produtiva. Sua produção de tomates, cenouras, berinjelas, nabos, beterrabas, etc… vai toda para o mercado de Piedade e Sorocaba.
Naquela época, 1940, os japoneses nem sequer sonhavam em se casar fora de seu grupo racial, pois ainda tinham a esperança de voltar para o Japão. Mas na familia Matsumura a coisa se deu de maneira mais radical; por sugestão dos mais velhos e provavelmente para não dispersar a mão de obra, arranjou-se um casamento entre primos. Um casal de filhos de Kenichi, Tokuo e Tazu, casou-se com um casal de filhos de Sozaemon, Koichi e Kiku, todos Matsumura; nem tiveram que mexer nos sobrenomes. Pouco mais de um ano depois do casamento, o casal Tokuo e Kiku ganhava Keiko Matsumura, uma menina forte e saudável, a primeira da série de 12 que o casal viria trazer ao mundo.
O dia começava com o raiar do sol no clã dos Matsumura. Mal se levantavam de suas camas feitas com bambú e forradas com colchões de palha de milho, a primeira coisa que faziam era um ritual budista. Só depois do ritual, realizado no mezzanino da casa, é que iam todos para o trabalho. Kiku passava o dia todo cuidando da casa e ajudando na plantação, e por conta disso, sua filha Keiko acabou ficando mais sob os cuidados da obatian (*) Toye, mãe de Tokuo. Era Toye quem entretinha a menina, contando histórias e cuidando da primogênita, enquanto pilotava o fogão de lenha, preparando o chá, os pães assados no forno de carvão e os oniguiri (bolinhos de arroz japonês), que constituiam o café da manhã da família.
As refeições da família eram uma tentativa de adaptação à culinária japonesa, fazendo uso dos ingredientes que eles tinham à mão. Veado, tatú e capivara, estavam sempre no cardápio, acompanhados pelos legumes e verduras que estavam sendo produzidos e colhidos. Se estavam plantando cenoura, era cenoura no almoço e na janta, até acabar a colheita ou venderem toda a produção. Os temperos tradicionais japoneses, tal como misso e shoyu, eram preparados pela caprichosa obatian, que nunca deixava faltar esses ingredientes que davam à comida um gostinho do saudoso Japão.
Por ser a mais velha, durante muito tempo Keiko brincou sozinha, com as bonecas de pano costuradas pela mãe; somente às vezes tinha a sorte de contar com a companhia de sua tia Michiko, 12 anos mais velha. Num ambiente onde imperava o trabalho e a ordem, logo que foi liberada para brincar fora de casa, Keiko passou a ajudar os mais velhos na lida com a terra. Arrancava o mato, colhia as hortaliças e desbrotava os tomateiros, fazia tudo por imitação, ninguém pedia nem cobrava que ela fizesse nada. Era como se em seus genes já houvesse a informação de que essa era a atitude correta, que era assim que ela deveria fazer. O mesmo comportamento era adotado por ela quando acompanhava os mais velhos no ritual que realizam todas as manhãs. Ela repetia tudo mas não compreendia nada..
Num lugar afastado como o que eles moravam, ser criativo e inventar brincadeiras era fundamental. Lá pela idade de 8 anos, Keiko teve a infelicidade de perder uma irmãzinha, e embora tenha sido alguém muito próximo, a dor da perda não foi maior do que o encanto que ela descobriu no cerimonial funebre. A família realizou os funerais segundo a tradição budista e Keiko ficou tão encantada com a solenidade dos rituais, com seus cânticos e enfeites florais elaborados, que incorporou às suas brincadeiras o enterro de animais como formigas, tatuzinhos, borboletas, ou qualquer bichinho que ela encontrasse morto. Do mesmo modo como fazia nas preces matinais, ela apenas emitia o som, muitas vezes inventado, sem compreender o significado do que dizia.
Na certeza de que iriam voltar para o Japão, aos 5 anos a menina Keiko começou a receber dos adultos as primeiras noções da lingua japonesa escrita, os katakana (*) e hiragana(*). Mas quando ela fez 7 anos, os mais velhos entenderam que era chegado o momento de enviar Keiko para a escola. No primeiro dia de aula, levada por seu tio Inomassa, irmão mais novo de seu pai, lá foi ela para o Grupo Escolar de Tapiraí, a 4km de onde eles moravam. Mas para desespero da menina, a aula da professora Zaíra era em português, uma lingua que ela nunca havia escutado antes!!! Keiko nascera durante a IIª Guerra Mundial, passara esses 7 anos isolada na zona rural, praticamente sem contato com os gaijin (*). O máximo que ela tinha ouvido falar eram alguns bom dia, obrigado e até logo, quando aparecia gente de fora fazer alguma transação comercial com os Matsumura. Nada mais que isso…
A sala de Keiko tinha 40 alunos e dentre eles, 38 eram ou japoneses ou descendentes e não sabiam falar nada de portugues! A situação era tão crítica, que muitas crianças acabavam por fazer xixi nas calças, simplesmente porque não sabiam pedir para ir ao banheiro! Somente mais de um mes depois, devido à dedicação da mestra, que se dispôs a estudar o japonês, e os japoneses aprendendo o portugues, é que eles começaram a se entender. Enquanto isso, as aulas precisavam ser dadas com a ajuda de muita mímica e boa vontade de ambas as partes.
Para manter viva a cultura japonesa, a comunidade nipônica se cotizava e importava filmes do Japão, com projeções que aconteciam em Tapiraí, nas noites em que havia lua cheia. O detalhe da lua cheia era muito importante, pois naquela época não havia iluminação pública e era preciso um pouco de luz para facilitar o deslocamento do povo. Primeiro passavam um filme para as crianças e em seguida outro para os adultos. Keiko gostava muito de cinema e não perdia uma sessão. Acontece que quando chegava a hora do filme dos adultos ela caia no sono, morta de cansaço e não acordava mais. Inomassa, que era quem a acompanhava sempre nesses programas, não tinha outro jeito senão bota-la (A BIOGRAFADA INSISTE EM SUBSTITUIR “BOTAR” POR “CARREGAR”!!! QUE FAZER??? É MEU ESTILO!) nas costas e percorrer os 4km com a sobrinha dormindo nos ombros. Keiko ia dormindo durante toda a volta, só acordava quando chegavam na zona do “terremoto”. O “terremoto” acontecia quando eles tinham de saltar por cima do gado que obstruia o caminho e não arredava o pé de jeito nenhum…
Keiko tinha 10 anos quando Tokuo achou que estava na hora de mudar-se de Tapiraí. A cidade não oferecia educação além do curso primário e Tokuo queria que seus filhos continuassem estudando, como forma de garantir o futuro deles. Pegou mulher e filhos, botou todo mundo no caminhão que ele usava para fazer entregas e partiram para São José dos Campos, onde um parente agricultor os esperava com uma casa que ele não usava, ao lado do terreno onde hoje é a Embraer. Foram dois dias de viagem, com uma parada em São Paulo, um percurso que hoje se faz em apenas 3 horas!
Em 1952, São José era uma cidade com mais possibilidades de negócios, maior e com muito mais recursos que Tapiraí. Foi uma mudança e tanto na vida de Keiko, que até essa idade só tinha morado na roça. No grupo escolar em Tapiraí, os japoneses eram maioria na sala de aula, em São José era o inverso, havia apenas Keiko e mais uma amiga. Mas em São José havia o BBC (Baseball Club), no Jardim Maringá, fundado por japoneses, onde ela podia se encontrar com outros membros da colônia, assistir filmes e continuar seu aprendizado da lingua japonesa que ela havia interrompido em Tapiraí. Sempre com a idéia de que um dia ainda voltariam ao Japão, Tokuo fazia questão de dar aulas de lingua japonesa, agora ensinando também os complicados kanjis e passando algumas noções de soroban, o ábaco japonês.
Além dos filmes no BBC, Keiko frequentava também as sessões do Cine Palácio e do Cine Paratodos, seguidas do tradicional footing de fim de tarde na Rua XV, a rua mais central da cidade. Neste ritual machista, os homens se postavam na calçada, parados, flertando com as moças, que desfilavam elegantemente produzidas, pela rua de paralelepípedos. Claro, isso num tempo em que os automóveis ainda não representavam ameaça para os pedestres fora da calçada. Para Keiko, este era o momento mais esperado naquela época…
Keiko estava se integrando cada vez mais à vida social da cidade, gostava de frequentar bailes e embora ela não se atrevesse a dançar, apreciava ver os casais bailando na pista. Por achar que não sabia dançar, fazia uma cara feia e acabava que ninguém a tirava. Tomou muito chá de cadeira por conta disso… Já no carnaval era diferente, aí ela se soltava, adorava pular nos salões e não perdia uma oportunidade de participar das animadas excurções do clube Orion para a cidade de Mogi das Cruzes, que lotavam caminhões de animados foliões joseenses. Nesse mesmo clube Orion, Keiko chegou a representar em algumas peças teatrais da tradição japonesa e para treinar a lingua dos seus pais, colaborava fazendo a locução no Informativo Orion, na Radio Clube de São José dos Campos.
Como a turma de Keiko gostava muito de assistir filmes, formavam um grupo e iam todos a São Paulo, assistir os lançamentos da época. Saiam de manhã bem cedo, no primeiro ônibus da empresa Pássaro Marron ( numa viagem que demorava quase 3 horas naquele tempo ), já sabendo de antemão os horários. Davam um jeito de assistir 4 filmes num só dia, sendo que um deles, obrigatoriamente, tinha que ser japonês, numa das salas do bairro da Liberdade, no Cine Niterói ou no Cine Nippon.
Sentir-se parte do grupo sempre foi uma necessidade para Keiko. Um dia, uma conhecida ficou sabendo que ela não era batizada e sugeriu que a mocinha recebesse o sacramento. Keiko, para não se sentir excluída, aceitou, de bom grado a sugestão e recebeu o batismo quando tinha 15 anos. Acontece que naquela época a Igreja não aceitava nomes japoneses, de modo que Keiko teve que escolher um nome cristão e passou a se chamar Maria Lucia, à partir de então. No entanto, o Maria nunca saiu do papel, ficou só na certidão de batismo, todos sempre a chamaram por Lucia, apenas. E ela achou até bom mudar de nome, assim ela se diferenciava da outra Keiko que também trabalhava num salão de beleza onde ela começara a ensaiar seus primeiros penteados e cortes.
Apesar de ter sido batizada, Lucia só começou a frequentar a igreja com 19 anos, quando passou a ir à missa todos os domingos, na igreja matriz da cidade. A questão da religião sempre tinha sido uma decisão de foro intimo na familia de Lucia, cada um escolhia seu caminho, sem interferencia dos pais ou avós. A herança budista não se impunha autoritária, pelo contrário, se misturava aos novos credos e abria portas para o que havia de melhor nas outras religiões.
Ao terminar o ginásio, com 17 anos, Lucia optou por trabalhar para ajudar nas finanças da casa. Cogitou ser aeromoça, mas encontrou forte resistência por parte do pai. Não era da natureza de Lucia desafiar os mais velhos, por isso ela cedeu, ficou com sua segunda opção e foi ser cabeleireira. Mudou-se para São Paulo e frequentou um curso profissionalizante, ao mesmo tempo que ajudava uma parente que tinha um salão de beleza na capital. Lá ficou durante 3 anos, aprendeu tudo que podia sobre a profissão, voltou para São José e depois de um tempo trabalhando para terceiros, conseguiu abrir seu próprio negócio, que mantém até hoje e tem sido o seu ganha pão.
Uma mulher bonita, responsável e trabalhadora como Lucia, certamente não passava desapercebida dos homens. Ela recebeu muitas propostas, chegou mesmo a namorar alguns, mas não percebeu boas intenções em nenhum dos pretendentes a marido. Nenhum deles se enquadrou no modelo de homem que ela sonhava. Não que ela não quisesse constituir uma familia, mas justamente quando estava pronta para isso, Kiku, sua mãe, faleceu de complicações da diabete que a acometia há tempos. Por uma questão de hierarquia, sendo Lucia a mais velha dos irmãos, foi ela quem assumiu o posto e passou a fazer o papel de mãe dos irmãos menores, que ainda não conseguiam se virar sozinhos. Foram tempos difíceis…
Até a igreja Lucia deixou de frequentar por um bom tempo, pois não conseguia se concentrar durante a missa ou fazer qualquer tipo de oração. Por uma triste coincidencia, o passamento da mãe tinha sido comunicado quando ela se encontrava assistindo uma missa dominical e depois disso, só o fato de entrar numa igreja fazia voltar toda a dor que ela sentira ao ficar sabendo da morte da mãe.
Durante anos, além do trabalho em seu salão, ela teve que administrar a casa e cuidar dos 5 menores, para quem costurava todas as roupas, pois comprar novas da loja estava fora de cogitação. Naquela época eles não tinham dinheiro sobrando para tal luxo. Lucia ficara com o encargo de administrar o dinheiro, o que anteriormente era feito por sua mãe, e ela fazia de tudo para economizar para o que ela julgava mais importante, a sagrada educação dos irmãos.
A instabilidade de Tokuo em relação a trabalho e finanças foi um incentivo a mais para que Lucia permanecesse no lugar da mãe. Assim, com 22 anos, na flor da idade, ela colocou de lado seus planos de casar-se e não esmoreceu, apesar da intensa dor que sentia pela falta da mãe. Durante um ano compareceu diariamente ao cemitério, se perguntando o por que de tudo aquilo estar acontecendo com ela. Por que a vida estava lhe cobrando assim, de maneira tão cruel? Às vezes ela acordava à noite e não conseguia pegar novamente no sono, revoltada com a grande injustiça que se abatera sobre ela.
Procurando uma saída para sua crise existencial, Lucia passou a ler todo tipo de livros de auto-ajuda, tais como Louise Hay e alguns da Seicho-No-Ie, que lhes foram dados por amigos e parentes. A dor só começou a ceder quando ela se deu conta de que havia outras pessoas vivendo desafios bem piores que o dela. Foi nesta época que teve os primeiros insights sobre o sentido de sua vida e deu os primeiros passos no sentido do crescimento interior. Mas quando ela finalmente se conformou e já estava quase aceitando a morte da mãe, recebe novo golpe da vida: Tokuo anuncia que vai se casar novamente e quer levar os filhos pequenos para viver com ele e a nova mulher, Shigeko. Revolta na família, principalmente porque os menores não queriam sair de perto da irmã. Foi preciso reunirem-se os parentes para decidirem que o pai não levaria as crianças. Saído o pai, agora Lucia tinha toda a responsabilidade, e enquanto não viu seus irmãos bem encaminhados e formados, todos em cursos superiores, ela não desgrudou deles. Ainda hoje eles tem uma forte ligação com a irmã mais velha e recorrem a ela quando precisam de conselho e ajuda.
Lucia estava vivendo um período de estabilidade, quando, mais uma vez a familia precisou de sua ajuda. Desta vez foi seu pai, que recebeu diagnóstico de cancer na medula e se recusa a fazer qualquer tratamento convencional. Não quis ser operado nem tomar medicamentos. O estado de Tokuo, naturalmente, piorou e ele acabou ficando sem os movimentos da cintura para baixo. Os irmãos de Lucia e a madrasta Shigeko, revezavam-se então nos cuidados com o enfermo.Os médicos davam a ele uma sobrevida de 3 meses, não mais que isso.
Por sorte, um parente indicou uma possibilidade de tratamento alternativo, num centro de cura em Atibaia, dirigido por um tal professor Hirota, que realizava sessões de cura espiritual para as centenas de doentes que faziam fila à sua porta. O pai consente e um irmão e um cunhado revezam-se para leva-lo até o centro de cura em Atibaia. Como é necessário pegar uma senha, dado o grande numero de doentes a serem atendidos, Lucia vai antes de todos e, enquanto espera a vez do pai, porque não consegue ficar parada, oferece-se como voluntária para ajudar na triagem dos doentes. Por um ano e meio ela vai manter essa rotina de chegar cedinho para pegar a senha e trabalhar como voluntária para o Professor Hirota.
Durante o tempo em que esteve frequentando a casa do professor Hirota, o cancer de Tokuo estabilizou-se e ele sentia-se agora muito melhor. O alívio não foi só físico, Tokuo também teve ganhos pelo lado espiritual, através das palestras e passes do professor Hirota. Durante todo sua enfermidade, Tokuo não fez uso de medicamentos, valeu-se apenas ds ajuda espiritual que recebia do professor Hirota. Pouco antes de morrer, como se soubesse que o fim estava próximo, reuniu os filhos e transmitiu-lhes a tranquilidade que estava vivendo, apesar da doença.
Diferente do que acontecera com a morte da mãe a dor de Lucia não aflorou à superfície depois da perda de seu pai. A dor ficou escondida e só começou a aparecer sob a forma de uma dorzinha nas costas, alguns meses depois que ele se fora. Como a dor melhorava quando ela deitava, Lucia pensou que fosse apenas um problema na coluna, por causa do trabalho como cabeleireira e não deu grande importância. Até que um dia, uma cliente reclamou que as mãos dela estavam muito quentes e intimou Lucia a fazer uma consulta médica imediatamente. Surpresa! Ela estava com pneumonia e a recomendação do doutor era de repouso absoluto. Mas o repouso não resolveu, Lucia continuou a piorar e finalmente acabou pedindo que um de seus irmãos a levasse para o hospital, um lugar que ela sempre havia abominado.
Lá, constatou-se que ela tinha pus no pulmão direito e apesar da medicação e dos cuidados intensivos, Lucia acabou entrando em coma. Foi ficando fraca, perdeu o apetite e rapidamente começou a definhar. Novo coma, dessa vez por causa de uma úlcera medicamentosa. Quando tudo parecia perdido, aparece um visitante inesperado, o Professor Hirota, que estranhou a ausência da voluntária, já que ela continuara ajudando-o, mesmo depois da morte do pai. Ele viera fazer uma visita especial à amiga, coisa inusitada em se tratando de uma pessoa tão ocupada como ele. Lucia sentiu-se lisongeada!
O professor encontrou-a muito abatida e desanimada, já fazia 40 dias que ela dera entrada e só fazia piorar. Conversou um pouco com a doente, fez suas preces e colocou um curativo de esparadrapo e gaze na região do pulmão. O curativo era parte do tratamento espiritual, tinha que ficar no corpo por 24h, depois disso devia ser queimado e jogado em água corrente. Fátima, a irmã de Lucia, foi quem se encarregou de incinerar o curativo e lançar as cinzas no Rio Parahyba, que ficava ao lado do Hospital Pio XII, onde estava internada a doente.
Enquanto Fátima lançava as cinzas no rio, no hospital, uma enfermeira percebeu que havia uma estranha marca de corte com sinais de inflamação, abaixo da cintura bem na continuação da linha do pulmão afetado. Sem saber o que fazer, a enfermeira chamou o médico, que ao cutucar a inflamação, ficou surpreso com a quantidade de pus que saiu do corte, duas tigelas cheias até a boca! À partir desse momento Lucia começou a se sentir outra, foi como se uma mão tivesse tirado o peso que a oprimia. Ela, que praticamente não comia, devorou os ozoni (*) que a madrasta havia levado para ela naquela dia; comeu tudo e ainda quis mais! Era 01 de janeiro, o início de um novo ano, 1992, e para Lucia, uma nova vida que começava. Ela não teve dúvidas que o Professor Hirota foi o responsável por esse final feliz…Em 10 dias a melhora foi tal que ela já pode deixar o hospital.
Quinze dias depois, contrariando ordens médicas, que recomendavam repouso absoluto por 3 meses, ela voltou à sua rotina de trabalho, fazendo o que mais gosta de fazer, cuidar do cabelo de suas clientes. Hoje, com uma saúde de ferro e septuagenária, tem a agenda sempre cheia. Aproveitando a onda de boa energia que se instalou em sua vida, Lucia aperfeiçoou-se na arte de cuidar dos cabelos, fez vários cursos na área da consciencia corporal e abriu um nova frente de trabalho, agora como massoterapeuta oriental e passou a oferecer mais este serviço a suas clientes e amigas, numa salinha especial, ao lado do salão de beleza.
Diz que se fosse mais jovem, iria estudar plantas medicinais. Tem também o sonho de viajar para alguns cantos do Brasil que ainda não conhece e depois o estrangeiro. O Japão, apesar de não conhecer, é como se ela já tivesse estado lá. Diz que quem vai para lá, traz sempre as mesmas lembranças, tira sempre as mesmas fotografias e visita os mesmos lugares, não precisa ela ir (BIOGRAFADA QUER TIRAR ESTA FRASE… O QUE EU FAÇO?), é como se ela já conhecesse tudo…
Essa é a Lucia!